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A Greve dos Roteiristas Norte-Americanos

Existem várias pessoas que, como eu, gostam de ver as séries produzidas pelas televisões norte-americanas. Entretanto, a greve dos roteiristas pode provocar um "caos" televisivo que, se perdurar por mais algum tempo, irá me obrigar a ficar vendo "A Grande Família" ou reprises ao invés de assistir House M.D. ou Lost.

Estava pensando que os roteiristas eram pessoas que apenas queriam mais dinheiro por coisa pouca mas, após ler a entrevista que Damon Lindelof (co-criador e roteirista-chefe de Lost) deu para o New York Times, começo a ver esta greve de outro modo. Ainda fico indignado por não poder ver episódios novos, mas posso entender um pouco melhor a situação.

Seguem as palavras de Lindelof:


Eu devia ter me dado conta disso quatro anos atrás quando comprei meu primeiro TiVo, mas a negação é sempre o primeira fase do luto. Eu simplesmente não podia reconhecer que essa maravilhosa invenção anunciava o início do fim.

TiVo armazena seus filmes e séries em um hd (como de um pc), permitindo que você assista o episódio do “The Daily Show” da noite anterior tão facilmente quanto você abre documentos no seu laptop. Na verdade, uma vez que você tenha baixado transmissão original - perdão, eu quero dizer ‘gravado’ - pode vê-lo no seu momento de lazer. Na manhã seguinte. No próximo ano. Quando bem quiser. Para que agora? Você é dono desse episódio. E o melhor de tudo, você o tem de graça.

A televisão sempre foi gratuita. Claro, se você quiser ver todos os jogos da NFL (Liga de Futebol americano) em alta definição, terá que pagar, mas as redes de tv ainda oferecem sua programação totalmente de graça. transmissão redes continuam a oferecer os seus horários para todo absolutamente nada. O único porém, é claro, é a obrigatoriedade de ter que assistir comerciais. Economicamente é uma troca justa. As emissoras gastam para fazer as séries, as oferecem ao público, e recuperam o investimento através das propagandas. O que infelizmente nos traz a coisa mais maavilhosa que o TiVo faz: ele permite que você ignore os comerciais que mantém todo sistema funcionando.

Vinte porcento dos lares americanos já possuem esses aparelhos que armazenam filmes e séries de tv indefinidamente e permitem que você ignore os comerciais. Esses aparelhos provavelmente vão proliferar em uma escala significante em breve, e quase todo mundo terá um. Eles também vão ficar menores, e a tela retangular na sua sala não será realmente televisão, será um computador. E o que trará tudo aquilo que você assiste? Não será o cabo de tv; será a internet.

Isso provavelmente pode parecer empolgante para quem gosta de tv, mas se você está envolvido na produção dessas séries, não é nada mais que aterrorizante. Deve ter sido assim que os artistas de palco sentiram-se na primeira vez que viram um filme mudo; sentados ali dando conta que eles acabavam de se tornar extintos: afinal, quem iria querer ver um espetáculo de sapateado quando poderia ver Harold Lloyd dependurado em um relógio a 15 metros de altura?

Mudanças sempre provocam medo, mas eu já acreditei que a morte da nossa amada televisão uniria todos aqueles afetados, os talentos e estúdios, criadores e afins. Estamos todos com medo e deveríamos sentí-lo juntos. No entanto estamos profundamente divididos.

O sindicato dos roteiristas americanos - WGA na sigla em inglês- e do qual orgulhosamente faço parte entrou em greve. Passei a semana passada em picket do lado de fora dos estúdios Walt Disney, meu empregador, cantando slogans e caminhando lentamente pela calçada.

A motivação para essa ação drástica - e uma greve é drástica, uma verdade que venho conhecendo ainda mais a cada dia que passa - é o desejo do sindicato em receber uma porção derivada da renda gerada pela internet. Isso não é novidade: a mais de 50 anos os roteiristas tem direito a receber uma pequena parcela dos lucros dos estúdios gerados pela reexibição de nossos filmes ou séries; quando algo que criamos é produzido ou vendido em dvd, recebemos royalties. Os estúdios porém, recusam-se a aplicar a mesma regra para a internet.
Minha série, Lost, já foi exibida centenas de milhões de vezes desde a disponibilização no site da ABC. Os downaloads exigem que o espectador assista uma propaganda, da qual a emissora recebe alguma coisa. Quem escreveu os episódios não ganha nada. Também somos um sucesso no iTunes (onde os episódios de séries são vendidos a $1,99 cada). E de novo, não recebemos nada.

Se a greve durar mais que três meses, uma temporada inteira da tv vai terminar em dezembro. Não teremos dramas, comédias, ou Daily Show. A greve também vai impedir que qualquer piloto seja gravado, portanto mesmo que a greve chegue ao fim até lá, você não verá nenhuma série nova até janeiro de 2009. Tanto o sindicato e os estúdios concordam em um ponto: a situação seria brutal.

Eu provavelmente serei arrastado pelas ruas e queimado vivo se os fãs tiverem que esperar mais um ano pela volta de Lost. E quem poderia criticá-los? A opinião pública pode estar ao noso lado agora, mas depois que a audiência tiver passado um mês ou mais assistindo “America’s Next Hottest Cop” e “Celebrity Eating Context”, tenho poucas dúvidas de que a corrente vai se virar contra nós. O que me leva à segunda fase do luto: raiva.

Estou furioso porque sou acusado de ser ganancioso pelos estúdios que estão sendo gananciosos. Estou bravo porque minha ambição é justa e razoável: se dinheiro é ganho com o meu produto através da internet, então tenho direito a uma parcela. A ambição dos estúdios, por outro lado, esconde-se atrás do cinismo, de declarações de que não ganham nada na internet, de que a exibição online é puramente “promocional”. É mesmo?

Sobretudo, estou furioso por não estar trabalhando. E não trabalhar significa não ser pago. Meu salário semanal é consideravelmente maior do que a pequena porcentagem dos ganhos da internet que estamos tentando obter nessa negociação e se eu ficar no picket por apenas três meses, jamais vou recuperar essas perdas, independente do acordo que for feito.
Mas estou disposto a aguentar firme para um tempo maior que três meses porque essa é uma luta pela sobrevivência de uma geração futura de roteiristas, cujo trabalho não será televisionado, mas sim distribuído através de um chip.

As coisas ficaram feias e as linhas de comunicação se perderam completamente entre o sindicato e os estúdios. Talvez ainda não seja tarde demais, já que ambos os lados da disputa tem uma coisa em comum: nosso luto por como as coisas costumavam ser. Em vez de brigarmos uns com os outros, talvez devessemos nos mover em prol da tv.

Porque a terceira fase do luto é a barganha.

E precisamos baganhar, porque quando a televisão finalmente desaparecer, ainda existirá entretenimento; ainda teremos séries e filmes, bem ali na tela da sala. E tal qual os donos dos teatros de vaudeville que se reergueram, os estúdios vão descobrir formas de ganhar rios de dinheiro do que quer que seja exibido na tela.

E nós ainda estaremos escrevendo cada palavra.

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